20 outubro, 2014

Narcisos


Chuparia um cadáver. Refletiu Narciso enquanto fantasiava com os espectros no ônibus. Nenhum cego mascava chicletes. Nenhum inseto gigante. Ninguém suficientemente interessante, todos apáticos namorando o cinza que corria pela janela. Crianças, bundas gordas, olhares tristes. Alguém peida. O cheiro de azedo se mistura com o podre. Um homem roça seu membro no ombro de uma adolescente sentada no corredor. Era disso que Narciso precisava. O nadismo. A apatia. Narciso só pensava “chuparia um cadáver”, “sugaria uma alma como se nela houvesse a última gota de saliva de São Paulo”.


O ônibus freou bruscamente. Um senhor grisalho e barrigudo esbravejou um palavrão. Entra um homem. Ele também se chama Narciso. Em tudo se parece com Narciso, eles se olham. Seus corpos se tocam. Narciso sente o bafo de Narciso na sua nuca. O hálito quente torna o resto invisível, mãos se entrelaçam, caralhos se erguem e ninguém vê absolutamente nada. Narcisos se amam. Narcisos chupariam um cadáver. Narcisos sentem que vem vindo. Narciso puxa uma navalha e desenha um corte na garganta de Narciso. Narcisos gozam. Narcisos morrem para depois matar. Narcisos chupariam um cadáver.

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