12 setembro, 2006

PARA OS RESIGNADOS: O INSUPERÁVEL MUNDO NOVO

O insuperável mundo novo- e não admirável como a maioria esperava- acaba de chegar e as taxas de natalidade e mortalidade agora serão controladas de outra forma: encarando a morte como bela e adorada pela mídia (e ela não era antes?) e pelos novos publicitários –os antigos, apesar de carregarem uma certa aura hipócrita, não se sentem prontos para encarar o clube do suicídio e as pílulas do renascimento como coisas normais. Eis o mundo dos sonhos, o mundo insuperável dos resignados, abra los ojos meu amigo, é apenas um sonho ruim, e no final está pronto. Tudo acaba com uma lágrima, mas no outro dia já se esquece de tudo e estamos prontos para recomeçar o jogo!Os arquitetos esquematizam uma forma segura e certeira das pessoas se suicidarem sem erro, com dor ou não, com marcas no corpo, tanto faz! O importante é estar a gosto do cliente. Elevadores cujas paredes vão estreitando-se até a pessoa não ter mais ar, sentir seus ossos quebrarem e seus olhos saltarem do rosto; casas sombrias em que o assassino persegue suas vítimas com diversas armas: foices, martelos, serras elétricas, enfim, o objeto que lhe convir; uma sala em que o impacto causado é como se o prédio fosse atingido por um avião e as pessoas têm a opção de pular ou de se deixar serem queimadas vivas; etc.? sim, sim, etc., etc.. A criminalidade involuntária acabaria, cedendo espaço a um novo comércio em que antes só tinha espaço nos filmes. Milhares de pessoas assistiriam e aplaudiriam os suicidas resignados. Armas de fogo como presentes de Natal (enquanto houver Natal); suicídios em aniversário, durante o sexo, no jantar, com os mais diversos tipos de morte.As pessoas morreriam sim, mas sem temer a dor, simplesmente aceitariam o fato de morrer, morrer feliz e em comunidade. Não é legal tio Nietzsche?Certa vez em uma noite, num sonho dum sono profundo meu, caminhei até um salão imenso em algum lugar distante para viver mais de perto essa idéia, essa experiência. Lá, uma mulher loira, que nem a Uma Thurman no Kill Bill, esfaqueava uma infinidade de mulheres idênticas que estavam em sua volta, enquanto isso, elas dançavam estampando um sorriso cômico em suas caras insanas como se pedissem mais: “Vai! Me machuca! Me corta! Me rasga! Me mata!” Enquanto eu observava onisciente a cena, algo no tempo me puxa para uma cadeira em algum outro lugar no salão. Lá as pessoas executam jogos interessantes, imitam umas às outras, cada um de pé em frente à sua respectiva cadeira. Naquele espaço havia crianças, velhos e jovens. Todos pareciam muito felizes de estar naquele lugar.Entra uma mulher de aparência feia, com roupa de ginástica e fala para que todos troquem de lugar que ela tem uma surpresa para o grande grupo. Eu me separo das minhas amigas – dessas que a gente conhece na vida real – e acabo sentando do lado dum sujeito atraente, mas que eu nunca vi na vida, nem em nenhum outro sonho. A baranga esportista pede para que os homens que tivessem mulheres no grupo levantassem a mão. Ele levantou! Maldito filho da puta! Mas não, ela não me chamou, chamou duas outras garotas e falou o seguinte:- Esperneiem, corram, façam o que puderem no sonho, para tentarem acordar, se vocês não acordarem vocês irão morrer, uma pedra cairá na cabeça de vocês. – Apareceu as meninas dormindo na vida real, e elas apavoradas dentro do sonho falando:- Essa é a surpresa?!- Não, a surpresa é a pedra, que vocês vão morrer todos sabem, todos nesse salão, na vida e no sonho irão. – Fala a mulher sorrindo com cara de sonsa e eu acordo.O insuperável mundo novo não deixa de ser um sonho, em que a vida não tem mais mistério. Ainda mais depois que inventaram a pílula do renascimento. Aí vou eu de novo: Eu, em uma noite inconsciente fui a escolhida por cientistas malucos para o interessante experimento: “...você toma a pílula e engravida de si próprio, nove meses depois você nasce com outras características físicas, sabendo e sentindo tudo o que sabia e sentia antes no antigo corpo, mas agora você é um bebê, que nasce sabendo falar, nasce com mais resistência para caminhar, etc. Enquanto o outro corpo passa a ser um zumbi, um morto vivo, ou seja, o papel dele é apenas auxiliar o seu processo de evolução até que você não precise mais do corpo e tome uma nova pílula para criar um novo ser, assim sucessivamente em busca da eternidade, sem a necessidade de temer um Deus ou de estar sujeito ao poder do capitalismo. Não será necessário mais do que uma pessoa para gerar um ser vivo.”O problema desse cientificismo todo é que os bebês nascem com diferentes traços, já nasci loira e da última vez fui japonesa. Por isso exigi a união dos seres de aparência aproximada, como uma purificação da raça e questão de identidade também. Anualmente ocorre um congresso, os corpos que irão para o Pelotão Suicida, os quais não tem mais nenhuma utilidade e não evoluem mais como seres humanos e nem colaboram para com o novo perfil da humanidade. Enquanto isso o corpo que apodrece poderia aproveitar seu resto de vida em um clube divertido do suicídio, em que a mídia oferece com afinco.A esperança não seria mais necessária. Preocupações? Não, apenas um mundo de seres resignados com a existência de um universo sem mistério, de um espaço vazio, proveniente de química, gases, energias físicas, cálculos matemáticos, a literatura? Uma métrica. A música? Um conjunto de sons. O sexo? Um instinto. As pessoas? Carne apodrecendo. E nada mais do que uma função cerebral aqui e ali. Enfim, somos aqui como os cavalos, sustentando resignados a carroça preservadora da raça e quem sabe, acreditando ingenuamente de que não somos mais ingênuos e de que desvendamos todos os mistérios.

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